Noite alta,
passos imaginados
caminham pela cidade,
em ausência,
a vida escapa.

Luzes intermitentes,
baldes de água lavam
um piso na madrugada,
urubus adormecem
em parapeitos altos.

Sem cuidado,
um brinco por esquecimento,
mãos nuas,
descalça, 
revisito caminhos
e quereres.

No raso, me derrubo,
escorre uma ansiedade
que não me cabe,
não, os olhos não comportam
a alegria de dentes,
represam.

Não se constroem
pontes em abismos.

Verdades e mentiras.

Tristes 
como pérolas em fios,
vida que não se guarda.

Meu coração foi arrancado
e colocado de volta.
Perdi o chão.
No ar, meus passos
ficaram longe do chegar,
menos urgentes,
experimentaram afetos.
Receptiva, piso leve,
a vida me devolve
e eu gosto disso.

Nas noites de escuridão,
a lua é só a lua,
mesmo quando ela está ali
sorrindo cheia de graça.
Mentira,
não consigo deixar de retribuir,
só um pouquinho.

Pra onde vai tanta água 

desse rio que não alcança o mar?

Mar de ondas bravas,
cheio de fúria,

não me deixa sair
da arrebentação.

Durante o dia, meus receios
saem a passear,
se perdem nas quebradas,
por pouco me abandonam,
mas não,
a noite sempre
os acolhe.

(Muito) às vezes,
é sobrevoo sem pouso, 

me deixo.

Chove,

palavras escritas na água

se diluem.

Pra onde vai esse sentir?

Depois, suspenso no ar,

desaparece?

A lua me inunda,
estou nua, 

sem brincos,
anéis, palavras,

meu corpo quer
o seu querer.

Sou quase forte,
são meus pés que não sabem
por onde andar, errantes,
têm a ânsia insana do partir,
largar caminho na correnteza,
se perderem de mim.

Avoando,
lembranças brincam
de me fazer feliz,
Pobre de mim,
distraidamente
esqueço
por onde ir.

Fui eu que desatei o nó
e me lancei ao mar,
sem remos, 
à deriva.

Queimo papéis
imaginários,
viro centelha.

Por um instante,

um risco...

Quero mergulhar.
Sentir o vazio,
o salto,
o espanto.
Tanto faz.

Às vezes,
preciso sussurrar
ao oceano,
sou mar em fúria,
levo,
trago,
devolvo,
depois, água revolta
líquida na areia.

espero meu coração
tão esquerdo serenar,
mas ele bate, bate, bate...
inquieto

(como eu)

queria
ter asas
chegar na lonjura
ser parte de um bando
aninhar
dormir no silêncio
viver um instante
voltar
deixar o vazio
morrer voando

A avenida larga me comove,
a cidade se esgota em si.
É tão fácil estar em abandono.
Deixar-se ir, passo a passo,
no traçado malfeito
de concreto e asfalto.
Me sinto onde não quero estar.

Ó liberdade
palavra solta
que não tem raiz

Amotinado, 
meu coração divisa urgências. 
Experimenta as dores do mundo.
Não se põe em paz.

Vou por distâncias
quase impossíveis,
mas sigo,
procurando o caminho
que me leve ao lugar
em que eu esteja lá,
por inteiro.

Assim vou construindo e desmontando histórias. 

A minha.
Não comporta em mim o que fui ou não.
Nunca foi vida contínua, não é, não sou.
Sempre atravessada, vou pelo caminho mais torto, 

o sem fim, o que surpreende e me encanta.

Gosto da algazarra sem fim
da passarada de manhãzinha.
Se apropriam da cidade
que ainda está quieta.
Num alvoroço cheio de graça,
celebram a vida, o mundo é só deles.
Estamos vivos... estamos vivos...
estamos vivos...
Estou viva...

Na linha,
naquela linha, me derramo,
o equilíbrio é líquido.

Cicatrizes atravessam janelas,
o telhado, o abrigo confortável.
Sangram, não fecham.
Tenho em meus braços
a menina que eu era.
Ela não adormece, 
tem medo do vazio, 
do nada.
Guardo pra mim
que esse medo não passa.

Tempos estranhos,
de poucas palavras.
Inquietamente, me calo,
reservo o contrário.
Ouço as canções,
por enquanto.

Carnaval me lembra dias ensolarados, adolescência, bailes de matinê no clube.
"Quem é você? Adivinha se gosta de mim..."
A tarde sempre acabava desabando em chuva.
Voltava pra casa feliz, encharcada... inundada de verão.